A esposa pode usar dinheiro do marido sem autorização dele? E o marido pode usar dinheiro da esposa sem autorização dela?
- José Roberto Sanches
- 29 de jun.
- 5 min de leitura

A vida a dois é um universo de partilhas, sonhos e, inevitavelmente, finanças. O dinheiro, muitas vezes, é um tema delicado e fonte de dúvidas e conflitos, especialmente quando um dos cônjuges ou companheiros utiliza recursos do outro sem a devida autorização. Essa situação, que pode parecer um simples desentendimento doméstico, possui implicações legais sérias no Brasil, abrangendo as esferas cível e criminal. Mais grave ainda, quando o homem se apropria indevidamente do dinheiro da mulher, a questão pode ser enquadrada como violência patrimonial sob a ótica da Lei Maria da Penha.
Contexto Legal Inicial: Os Regimes de Bens no Brasil
Para compreender as consequências do uso indevido de dinheiro entre cônjuges ou companheiros, é fundamental entender como a legislação brasileira trata a propriedade e a gestão dos bens do casal. No Brasil, os regimes de bens no casamento e na união estável definem como o patrimônio será administrado durante a união e dividido em caso de separação ou falecimento. Os principais regimes são:
Comunhão Parcial de Bens: É o regime legal padrão, aplicado quando não há pacto antenupcial. Nele, apenas os bens adquiridos onerosamente durante o casamento ou união estável são considerados comuns ao casal e, portanto, partilháveis. Bens adquiridos antes da união, heranças e doações recebidas individualmente não se comunicam.
Comunhão Universal de Bens: Todos os bens, presentes e futuros, de ambos os cônjuges, tornam-se comuns ao casal, incluindo aqueles adquiridos antes do casamento, heranças e doações, salvo raras exceções.
Separação Total de Bens: Cada cônjuge mantém a propriedade exclusiva de seus bens, tanto os adquiridos antes quanto durante o casamento. Não há bens comuns e cada um administra seu próprio patrimônio.
Participação Final nos Aquestos: Durante o casamento, cada cônjuge administra seus próprios bens. No entanto, em caso de dissolução da união, os bens adquiridos onerosamente pelo casal durante o matrimônio são partilhados.
A escolha do regime de bens é crucial, pois ela determinará a extensão da autonomia financeira de cada um e as responsabilidades sobre dívidas e bens.
Uso de Dinheiro Sem Autorização (Cônjuge vs. Cônjuge): Implicações Legais
Implicações Civis
Independentemente do regime de bens, o uso de dinheiro de um cônjuge ou companheiro pelo outro sem autorização pode gerar a obrigação de ressarcimento. Se um dos parceiros utiliza recursos comuns ou exclusivos do outro de forma indevida, causando prejuízo, a parte lesada pode buscar a restituição desses valores na esfera cível.
Isso pode ocorrer, por exemplo, se um cônjuge utiliza o dinheiro do casal para fins pessoais que não beneficiam a família, ou para sustentar um relacionamento extraconjugal, configurando um desvio patrimonial.
Implicações Penais: O Art. 181 do Código Penal e Suas Exceções
No âmbito criminal, a situação é mais complexa devido à existência das chamadas "escusas absolutórias" ou "imunidades patrimoniais" previstas no Código Penal.
O Art. 181 do Código Penal estabelece que é isento de pena quem comete crimes patrimoniais (como furto, apropriação indébita, estelionato, entre outros) em prejuízo do cônjuge, na constância da sociedade conjugal, ou de ascendente ou descendente.
Isso significa que, em regra, se um cônjuge furta dinheiro do outro durante o casamento, não haverá punição criminal, embora o ato continue sendo um crime.
A justificativa histórica para essa imunidade é a preservação da harmonia familiar, evitando que conflitos patrimoniais internos resultem em processos criminais.
Contudo, essa imunidade não é absoluta e possui exceções importantes, conforme o Art. 183 do Código Penal:
Crimes cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa: Se o crime patrimonial for praticado mediante violência ou grave ameaça (como roubo ou extorsão), a imunidade não se aplica, e o agressor poderá ser responsabilizado criminalmente.
Vítima com idade igual ou superior a 60 anos: A imunidade também não se aplica se a vítima for idosa.
A Perspectiva da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006)
A Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) trouxe uma mudança paradigmática na proteção da mulher contra a violência doméstica e familiar. Ela reconhece diversas formas de violência, incluindo a violência patrimonial.
A violência patrimonial é definida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos da mulher, incluindo aqueles destinados a satisfazer suas necessidades.
Exemplos incluem:
Tomar o salário da mulher
Impedir o acesso a contas bancárias ou cartões
Fazer empréstimos ou dívidas em nome da mulher sem sua autorização
Vender bens sem o consentimento dela
Reter documentos pessoais
A não aplicação do Art. 181 do Código Penal em casos de Violência Patrimonial:
É crucial destacar que, em casos de violência patrimonial contra a mulher no contexto da Lei

Maria da Penha, a imunidade material do Art. 181 do Código Penal não se aplica. Embora haja debates doutrinários e jurisprudenciais sobre o tema, o entendimento majoritário e mais protetivo é que a Lei Maria da Penha, por ser uma lei especial e ter como objetivo a proteção da mulher em situação de vulnerabilidade, afasta a aplicação dessa imunidade.
A aplicação do Art. 181 do CP em casos de violência doméstica patrimonial seria incompatível com os princípios e objetivos da Lei Maria da Penha e com tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil, como a Convenção de Belém do Pará. Permitir a isenção de pena nesses casos perpetuaria a impunidade e a subordinação financeira da mulher.
Consequências Legais para o Agressor:
Quando o uso não autorizado de dinheiro pelo homem em desfavor da mulher é enquadrado como violência patrimonial pela Lei Maria da Penha, as consequências para o agressor são severas e podem incluir:
Medidas Protetivas de Urgência: O juiz pode determinar medidas como a proibição de aproximação, a restituição de bens indevidamente subtraídos, a proibição de condutas que causem prejuízo patrimonial, entre outras.
Responsabilização Criminal: O agressor poderá ser processado e condenado pelo crime patrimonial cometido, sem a aplicação da imunidade do Art. 181 do CP.
Ação Penal Pública Incondicionada: Em muitos casos de violência doméstica, a ação penal é pública incondicionada, ou seja, não depende da representação da vítima para ser iniciada.
Recomendações e Orientações
A gestão financeira em um relacionamento exige transparência, diálogo e respeito mútuo. Para casais e pessoas em união estável, é fundamental:
Diálogo Aberto: Conversem sobre suas finanças, expectativas e objetivos. Definam juntos como os recursos serão administrados.
Conhecimento do Regime de Bens: Entendam as implicações do regime de bens escolhido ou do regime legal (comunhão parcial) sobre o patrimônio de cada um e do casal.
Planejamento Financeiro Conjunto: Criem um orçamento, definam responsabilidades e estabeleçam metas financeiras em comum.
Busca por Assessoria Jurídica: Em caso de dúvidas, desentendimentos ou, principalmente, se houver indícios de uso indevido de recursos ou violência patrimonial, procurem imediatamente um advogado especializado em Direito de Família e Direito Penal. A orientação profissional é essencial para proteger seus direitos e patrimônio.
Conclusão
O uso indevido de dinheiro entre cônjuges ou companheiros é uma questão séria, com repercussões legais significativas nas esferas cível e criminal. No contexto da violência doméstica, a apropriação não autorizada de recursos da mulher pelo homem configura violência patrimonial, afastando as imunidades penais e sujeitando o agressor às rigorosas sanções da Lei Maria da Penha.
Proteger seu patrimônio e garantir a justiça em suas relações financeiras é um direito. Se você ou alguém que conhece está enfrentando uma situação de uso indevido de dinheiro ou violência patrimonial, não hesite em buscar ajuda.
O escritório Azevedo e Sanches Advogados, com sede em Araçatuba/SP e Curitiba/PR, possui expertise em Direito de Família e Direito Penal, estando preparado para oferecer a você a assessoria jurídica especializada e o suporte necessário para lidar com essas questões complexas.
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