A Prisão Domiciliar de Bolsonaro: Privilégio ou Aplicação Correta da Lei?
- José Roberto Sanches
- 11 de ago.
- 4 min de leitura
A recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que determinou
com uso de tornozeleira eletrônica tem gerado intensos debates jurídicos e questionamentos sobre a aplicação das medidas cautelares no sistema penal brasileiro.

O Que Diz a Lei: Artigos 317, 318 e 319 do CPP
O Código de Processo Penal estabelece critérios específicos para a concessão de prisão domiciliar nos artigos 318 e 319, sendo importante destacar que nenhum dos requisitos legais tradicionais foi aplicado no caso Bolsonaro.
Art. 318 - Prisão Domiciliar Substitutiva
O artigo 318 do CPP permite a substituição da prisão preventiva por domiciliar quando o agente for:
Maior de 80 anos
Extremamente debilitado por motivo de doença grave
Imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 anos ou com deficiência
Gestante ou mulher com filho de até 12 anos de idade incompletos
Art. 319 - Medidas Cautelares Diversas da Prisão
Já o artigo 319 estabelece medidas alternativas à prisão preventiva, incluindo o monitoramento eletrônico, mas não especifica a prisão domiciliar como medida autônoma para casos gerais.
A Decisão do Ministro Alexandre de Moraes: Uma Aplicação Alternativa
A prisão domiciliar de Bolsonaro ocorreu após uma série de avisos de descumprimento das cautelares por parte do ministro Alexandre de Moraes, demonstrando que a medida foi resultado de um processo gradativo de endurecimento das restrições.
O que chama atenção no caso é que Bolsonaro não se enquadra em nenhum dos requisitos específicos dos artigos 318 e 319 para prisão domiciliar. A decisão baseou-se em uma gradação progressiva de medidas cautelares:
1ª Etapa: Violação da Tornozeleira Eletrônica
Inicialmente, foi determinado apenas o uso de tornozeleira eletrônica como medida cautelar, após considerar que o ex-presidente atuou para instigar sanções internacionais contra o Brasil.
2ª Etapa: Agravamento para Prisão Domiciliar
Com o descumprimento das restrições impostas - comunicação com manifestantes e compartilhamento de vídeos -, houve o agravamento da medida, evoluindo para prisão domiciliar combinada com monitoramento eletrônico.
A Interpretação Extensiva das Medidas Cautelares
Para Quem Pode Ser Imposta a Prisão Domiciliar Antes da Condenação?
Em casos anteriores à condenação, a prisão domiciliar faz parte de uma série de medidas que podem ser tomadas pelo juiz como forma de garantir que um processo possa seguir seu curso normal até o julgamento final.
As medidas cautelares são acionadas para evitar:
Eventual fuga do investigado
Contato entre réus para combinar versões
Ameaças a testemunhas e interferência no julgamento
Precedente da Pandemia
É importante destacar que esse tipo de prisão, apesar de não usual, foi bastante utilizada na pandemia para grupos vulneráveis, demonstrando que o Judiciário já possui precedentes para aplicação extensiva da medida em situações excepcionais.
Depois que Acontece a Condenação: Quando a Prisão Domiciliar se Aplica?
A prisão domiciliar é mais restrita em casos posteriores à condenação. Ela costuma ser relacionada a problemas de saúde do preso, segundo a prática jurisprudencial consolidada.
Critérios para Condenados
Pessoas com idade avançada ou com saúde debilitada condenadas a cumprir suas penas em regime fechado podem ser beneficiadas pela medida quando:
Problemas de Saúde Graves: Quando o sistema penitenciário não consegue oferecer tratamento adequado
Idade Avançada: Especialmente para maiores de 70 anos com comorbidades
Condições Humanitárias: Situações em que a permanência no cárcere representaria risco à vida
Exemplo Prático: O Caso Fernando Collor
Um exemplo recente é o do ex-presidente Fernando Collor, condenado a 8 anos e 10 meses em regime fechado por corrupção e outros crimes investigados na Lava Jato. Ele cumpre a pena em casa devido à idade (75 anos) e doenças como apneia grave do sono, Doença de Parkinson e transtorno afetivo bipolar.
A decisão considerou que o sistema penitenciário não teria condições de oferecer o tratamento médico adequado para suas condições de saúde.
Prisão Domiciliar com Tornozeleira: Quão Comum é Esta Combinação?
Sim, é bastante comum. A maioria das pessoas que estão atualmente em prisão domiciliar usam tornozeleira eletrônica, como no caso de Bolsonaro.
Dados Nacionais Reveladores
Segundo a Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen):
Mais de 36 mil pessoas estão presas em suas casas, seja antes ou depois da condenação
Quase 34 mil (93%) presos com monitoramento eletrônico
Pouco mais de 2,6 mil (7%) sem tornozeleira
Estes números demonstram que a combinação das medidas é prática consolidada no sistema penal brasileiro.
Vantagens do Monitoramento Eletrônico
Controle Efetivo: Permite rastreamento em tempo real
Redução de Custos: Menor custo que a manutenção em presídios
Preservação de Vínculos: Mantém laços familiares e sociais
Redução da Superlotação: Alivia o sistema carcerário
Privilégio ou Aplicação Técnica do Direito?
Argumentos Favoráveis à Decisão:
Proporcionalidade: A medida representa um meio-termo entre a liberdade plena e a prisão preventiva
Efetividade: Garante o cumprimento das determinações judiciais sem os custos sociais da prisão comum
Precedentes: Outros casos no sistema judiciário brasileiro já utilizaram gradação similar
Questionamentos Jurídicos:
A decisão contrasta com a realidade da costumeira aplicação de prisões preventivas sob fundamentos genéricos, uma das principais causas da superlotação carcerária que afeta desproporcionalmente pessoas negras, pardas e de baixa renda.
Esta observação levanta questões importantes sobre:
Isonomia: Se a mesma interpretação seria aplicada a réus sem projeção pública
Critérios Subjetivos: A decisão baseou-se em interpretação ampliativa das medidas cautelares
Desigualdade Social: O contraste com a aplicação de prisões preventivas para a população vulnerável
Considerações Finais
A decisão sobre Bolsonaro revela tanto a flexibilidade interpretativa do sistema de medidas cautelares brasileiro quanto as desigualdades estruturais na aplicação da justiça penal. O caso evidencia que, quando há vontade judicial, alternativas à prisão preventiva podem ser encontradas, contrastando com a realidade de milhares de brasileiros que aguardam julgamento em condições precárias.
Como advogados criminalistas, entendemos que cada caso deve ser analisado individualmente, considerando:
Gravidade da conduta
Risco de reiteração
Garantia da ordem pública
Proporcionalidade das medidas
Isonomia na aplicação da lei
A questão central não é apenas se houve privilégio, mas como garantir que a interpretação extensiva das medidas cautelares seja aplicada de forma isonômica, beneficiando todos os cidadãos independentemente de sua condição social ou projeção pública.
O sistema de justiça brasileiro possui instrumentos legais suficientes para evitar prisões desnecessárias. O desafio está em aplicá-los de forma equânime, garantindo que a justiça seja verdadeiramente cega às diferenças sociais e econômicas dos jurisdicionados.
Azevedo & Sanches Advogados Associados
Escritórios em Araçatuba e Curitiba
Especialistas em Direito Criminal e Processo Penal
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